A Poesia Imprevista de Três Poetas Aldravistas

Edição nº. 1 * Abril de 2020

Sylvia Cesco

As aldravias, poesias minimalistas de apenas seis versos (um em cada página) foram criadas em Mariana, MG, por estudiosos de Literatura, Semiótica, Crítica Literária, Jornalismo. Para eles, a poesia não deve ser uma “via de mão única ou uma imposição do sujeito-autor”; defendem “uma nova forma, mas não uma ‘fôrma’, como a trova, o haicai, o soneto”. A leitura do livro “Aldravismo – Reinvenção da Arte pelo Jornalismo Cultural”, (MG, 2018), de J. B. Donadon-Leal, e de “Aldravismo: Movimento Mineiro do Século XXI”, de Andreia Donadon Leal, (MG, 2014), me alumiou e iluminou. Mais: ensolarou, enlueceu, enriachou minha alma. Poeticamente, endoideci: finalmente uma poesia que provocava! Que libertava e acolhia o meu entendimento, dando-me uma co-autoria! Pois é isso que a aldravia faz: seu leitor “é aquele que busca algo que só ele viu”. Essa liberdade é dada pela metonímia, sempre presente nas aldravias. “A Arte aldravista é metonímica, pois não tem a pretensão de mostrar uma totalidade; contenta-se em apresentar um indício, uma metonímia. Não é presa a uma forma; molda-se à forma que melhor seja a expressão de um indício” (Donadon-Leal). Já registramos, então, dois critérios da poesia aldravista: ser livre e ser metonímica. O terceiro é ter poeticidade, que não significa ter rima, embora ela não seja “proibida”. Tem que ter apenas “seis versos univocabulares, com sintaxe paratática, o que significa que todo poeta aldravista precisa se basear no conceito poundiano de o máximo de Poesia, num mínino de palavras”. Nas aldravias todos os versos se iniciam com minúsculas; as maiúsculas são opcionais nos nomes próprios. A divisão em palavras-versos já implica pausa e por isso não é recomendada a utilização de pontuação, já que esta limita possíveis interpretações relativas à livre escolha de interpretação. Mas, exclamações, interrogações e dois pontos podem ser utilizados se a sintaxe aldrávica, por si só, não denunciar a sua proposição. O nome “aldravia” foi originado da palavra aldrava ou aldraba – um tipo de trava muito usado nas portas das casas antigas, que servia para bater e chamar os moradores. Na poesia ela é usada com seu sentido semiótico, para assumir uma função distinta: a de “bater, bater, bater até que alguém venha abrir a porta do sentido que se deseja”. E quando abrimos nossas portas para as aldravias, somos, de imediato, libertos das “prepotentes metáforas que trazem consigo arroubos de substituições totalitárias” (...) generalizadoras, portanto, perigosas” e somos apresentados à elegância respeitosa das metonímias que apenas nos sugerem percepções, em que “autor e leitor percebem porções daquilo que é possível, segundo seu critério de julgamento”. Compreendida essa nova forma de poetizar, busquei por poetas de Mato Grosso do Sul que estivessem, como eu, dispostos a se encantarem com o “logos de um luminoso universo”. E foi então que conheci o gracioso livro : “Em terra de Manoel... do barro, voam aldravias”, de Flávia Rohdt. Também soube que alguns dos nossos poetas – Janet Zimmermann, Paulo Robson de Souza, Ileides Muller, Iolete Moreira, Benedito Carlos Lima, Marlin Balbuena, Rogério Fernandes Lemes, Sagramor Farias, Nena Sarti – já davam seus passos pelas vias das aldravias... Uns ainda estão muito afoitos e deixam de lado a poeticidade e a metonímia. Outros, cautelosos, aguardam ser possuídos pelos “megalalumens” de Andreia Donadon Leal – professora mineira e uma das criadoras da arte aldravista – antes de se embrenharem nessa via encantada e tendo a certeza de que, mais à frente , “à/sombra/descansa/o/sol/suado” (Francisco Nunes, SP). Confesso que eu já andei praticando minhas afoitezas . E os outros dois poetas que participaram do livro “três poetas uma via: aldravia”, Paulo Robson de Souza e Janet Zimmermann, certamente que sim. Reconhecida tal fragilidade, decidimos estudar, nós três juntos, a arte aldrávica. Sim, porque para escrever aldravias é necessário dedicação e acolhimento às palavras de Andréia Donadon Leal: “muitos poetas, afoitos, acabam publicando um amontoado de palavras soltas/empilhadas, uma repetição de ditados populares ou de expressões conhecidas e surradas”.
Assim, durante algumas tardes de sábado ensolarado, nos reunimos para estudar esse gênero poético genuinamente brasileiro, com almas abertas às críticas e sugestões de um e de outro. O resultado é o livro: “três poetas uma via: aldravia” (O título é assim mesmo: escrito tudo com letra minúscula e sem vírgula. É uma das regras da poesia aldravista). Foi lançado no dia 11 de março passado, no Recanto do Canto e da Poesia, numa agradabilíssima noite, quando essa tal Covid-19 ainda não tinha colocado suas manguinhas de fora. Tive a honra de parceirizar o livro com dois dos nossos renomados poetas: Janet Zimmermann e Paulo Robson de Souza. Janet Zimmermann é gaúcha de Catuípe. Vive em Campo Grande desde 1980. Seus poemas são de uma sensibilidade ímpar. Janet dirige o blog “Polyantho” e escreve para a Revista Literária “Pixé”. Publicou “Asas de JIZ”, (Life Editora) e “Pétalas Secretas” (Editora Patuá), livro que lhe garantiu o 1º lugar no Prêmio Guavira de Literatura de Poesia, em 2017. Já publicou seus poemas em inúmeras Antologias estaduais e nacionais. Dizem que o seu estilo é “simbolista-modernista”, porém ela afirma que é “apenas uma poetisa sertaneja com asas futuristas”. Mas avalio, cá pra mim, que seu estilo poético é, na realidade, “zimmermianno”: sensorial, sim, mas acima de tudo transcendental, misterioso e misticamente espiritual, o que a torna uma poeta cuja infinitude de seus versos são um celeiro vivo de reflexões. Janet é autora de centenas de aldravias com lindas imagens e intrigantes metonímias, como estas: “lua:/auréola/dos/santos/de/ rua”. O poeta e músico Paulo Robson de Souza é baiano, de Vitória da Conquista; reside em Mato Grosso do Sul desde 1987. É formado em Biologia, mestre em Agronomia, e doutor em Ecologia. É professor e pesquisador na UFMS. É exímio poeta e músico. Publicou “Poesia (IN)vertebral”, em parceria com Sidnei Olívio (Julien Desing, 2019); “Animais Mais Mais”, com CD de músicas encartado; (Sterna Edições, 2011); “Síntese de Poesia” (Editora UFMS, 2006); “A Casa do Animais” (Oak, 2000). Sua formação científica e artística resultou na criação de um estilo inédito de aldravias, registradas numa seção do livro, sobre o qual discorremos, com o sugestivo nome de: “Biodravias e outras ousadias”, todas de pura belezura como esta:

milípedes/centopéias/corais-de-fogo:superlativos/por/natureza”.

Ou então:

“gosto/de/infância/reverdecido/na/senescência”.


Sylvia Cesco
Nasceu em Campo Grande/MS. É ativista cultural. Tem formação em Letras, com especialização em Língua e Literatura Portuguesa. Autora e diretora de peças de teatro, letrista de músicas, roteirista- auxiliar do filme sobre Glauce Rocha, “Nasce uma Estrela”, premiada em concursos de poesia. Publicou livros de contos, literatura infanto-juvenil e de poemas. Classificada em concursos de poesias, participou de várias Antologias. É cronista nos Jornais: “Correio do Estado e “O Estado de MS”. Membro da União Brasileira de Escritores-UBE/MS.

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