Pandemia, cultura e a valorização do sensível

Por Andressa Batista e Emilly Lamarão
Imagem: s2.glbimg.com

Vivemos um período caótico no mundo passando por uma crise, sem precedentes, movida pela pandemia da Covid-19. A necessidade do distanciamento social, na tentativa de salvar vidas, trouxe também um reflexo na economia atingindo diversos setores, bem como um grande impacto financeiro e social, que nenhum de nós se preparou, devidamente para isso. Todos já sabemos, mas como os setores sobreviverão a esse grande impacto? Como sobreviverão, em especial, os setores que já tinham grandes gargalos para serem vencidos? 
O campo da Cultura sempre esteve em uma posição delicada nesse país. Os poucos períodos em que o extinto Ministério da Cultura (MINC) atuou foram marcados por iniciativas válidas, mas, com pouco fôlego de sobrevivência, a observarmos agora, a inexistência de ações no que tange ao Fundo Nacional de Cultura (FNC), por exemplo. O fato é que o campo das artes sempre correu, muito, atrás de oxigênio para sobreviver. É, desde sempre, um setor que teve pouca valorização financeira e social, mas, sobretudo agora, passa por um momento ainda mais delicado. Como sobreviver a essa crise, sendo impossíveis as práticas que aglomeram pessoas? Como sobrevivem os artistas que se apresentam na noite, que trabalham nos semáforos, que têm como ofício o contato com o outro? Como sobreviver à crise um setor que já estava, desde antes da pandemia, em crise?
Os artistas, em sua maioria, são seres que buscam aliar o sensível ao racional. Que criam obras e as apresentam-expõem-exibem para um público que as prestigia. Por sua vez, os gestores, produtores e mediadores culturais são profissionais que buscam criar as formas de tornar essas ações possíveis. São pontes que ligam os artistas aos públicos; as obras, aos expectadores. São todos, por essência, seres criativos e – motivados pela constante crise em que vivem – seres que se reinventam. Nesse momento, de distanciamento social, são vários os profissionais do campo das artes criando novas formas para o seu fazer. Tem crescido nas redes os debates sobre a crise do setor cultural. Tem aumentado os cursos EAD sobre Gestão e Produção da Cultura. Temos, todos os dias, um sem número de lives de artistas e demais profissionais do campo das artes. Mas quem paga por essas iniciativas? Sim, porque os artistas precisam, como todos os outros, pagarem suas contas, se alimentarem, comprar remédios. Não cabe mais, no momento em que vivemos, a não compreensão desse principio básico. Se houver algo positivo, que a pandemia nos trouxe, foi a possibilidade de repensar velhos conceitos e de, quem sabe, construirmos outros.
Uma das melhores ações que essa pandemia trouxe foi, seguramente, a possibilidade de conhecermos, ainda mais, o trabalho dos artistas de cada Estado. A Região Norte conta com um alto número de profissionais do campo das artes altamente capacitados, e que conseguem cada vez mais alcance em suas redes. Sabemos que esse contato virtual de forma alguma substituirá o contato físico, o olho no olho, o estado de presença. Mas acreditamos que esse novo engajamento seja um caminho para estabelecer novas relações com esse público para que, quando possível, consigamos nos encontrar pessoalmente. Pois uma coisa é certa: devido ao distanciamento, várias pessoas recorreram ao pulsar da cultura, que são os artistas.
Aumentou a leitura, a procura de espetáculos, shows, bem como a procura por filmes e séries. Muitas pessoas passaram a dedicar um tempo maior a cantar, dançar, pintar, ler. A cultura se tornou o momento do lazer em meio à pandemia. O respiro necessário que nos traz força para continuar esperando esse momento passar. Os pais voltaram a ler para seus filhos; a pintar com eles como quando crianças; a ver animações pela TV. Os casais assistem as lives e shows dos artistas juntos, cantam no karaokê, dançam como a moda antiga. De repente, vemos vários hábitos culturais distintos entrando na vida da população novamente e a grande pergunta que fica é: como conseguimos passar tanto tempo sem fazer isso? E o quanto estamos dispostos a abrir mão disso quando a pandemia passar? Sim, um dia ela vai passar. Mas que lição tirar dela? Será que pós Covid-19 estaremos, finalmente, prontos para valorizar o que nos toca o sensível, para além de seguir a velha rotina de acordar cedo, pegar o transporte, trabalhar, pegar o transporte e dormir cedo para novamente acordar cedo?
Estaremos dispostos a olhar o trabalho artístico como um trabalho que precisa, naturalmente, ser remunerado? E dizemos remunerado no sentindo real da palavra, porque infelizmente, divulgação não paga as contas de ninguém, muito menos as compras do supermercado. Será que, no pós-pandemia, estaremos enfim prontos para destinar uma parte do nosso recurso e capital para cuidar da alma e não apenas do corpo físico? Esperamos sinceramente, que sim. 
Esperamos que cada leitor possa, em sua essência, valorizar devidamente o que lhe toca o coração. Que não passemos a vida correndo atrás do dinheiro ao mesmo tempo em que percamos a vida, nessa busca incessante. Se hoje fosse o seu último dia aqui, que sensações você gostaria de ter?
Aquelas do corre-corre, de todo dia, ou essa que você experimenta quando uma obra de arte te tocou a alma? Que saibamos aproveitar esse momento para equilibrar as nossas necessidades físicas, com as nossas necessidades emocionais. Que saibamos sair dessa pandemia, mais curados, e não mais doentes do que entramos nela.
Nossa sugestão é que, o melhor caminho, é a Cultura.


Andressa Batista
É artista, produtora, gestora cultural e mulher amazônica; licenciada em Artes Cênicas e Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana, pela Universidade Federal do Acre e graduanda em Produção Cultural, pela Universidade Cidade de São Paulo. Atualmente desenvolve projetos nas áreas das artes da cena, em especial com atividades de circo, teatro e dança.

Emilly Lamarão
É graduanda de Produção Cultural; rondoniense de raízes amazônicas e trabalha com produção cultural há 10 anos. Desenvolveu projetos de ações culturais e sociais no Estado de Rondônia e atua, no cenário cultural, de diferentes linguagens.

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